A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 212, impõe aos Municípios a obrigação de aplicar, anualmente, no mínimo 25% da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino. Essa regra constitucional, que há décadas gerava dificuldade de cumprimento para diversos entes municipais, hoje se revela, paradoxalmente, insuficiente diante da complexidade e da diversidade das demandas educacionais que surgem nos municípios. No ado, os gestores municipais, frequentemente, se viam obrigados a realizar verdadeiros malabarismos contábeis e istrativos para atingir o índice constitucional mínimo.
Atualmente vivenciamos uma realidade distinta: o percentual de 25% tornou-se, em muitos casos, insuficiente para atender, com qualidade, às exigências do ensino público municipal.
Esse cenário decorre da multiplicação e especialização das demandas educacionais, especialmente no tocante à inclusão escolar de alunos com autismo e outras condições que exigem acompanhamento pedagógico, psicológico e médico especializado. Os municípios, de forma geral, têm respondido a essas demandas com comprometimento e resultados positivos, investindo em capacitação profissional, estrutura física adequada e e técnico. Contudo, tais avanços impõem significativa pressão sobre o orçamento municipal — que, vale lembrar, não é ilimitado.
É nesse ponto que a omissão das esferas estadual e federal se torna evidente. Os entes federativos superiores, embora também detentores de responsabilidade pela educação pública (art. 211 da CF), têm se mantido distantes dos desafios reais enfrentados pelos municípios, que continuam sendo o elo mais frágil e, ao mesmo tempo, o mais cobrado da federação. A sobrecarga recai, invariavelmente, sobre prefeitos e secretários municipais de educação, que, sem o devido apoio técnico e financeiro, precisam conciliar demandas crescentes com recursos estagnados.
Diante dessa realidade, é imperativo que o chefe do Executivo municipal mantenha diálogo constante com a sociedade e com os gestores da educação, atuando de forma transparente quanto às limitações orçamentárias. Um ponto sensível, mas muitas vezes negligenciado, diz respeito ao Plano Municipal de Educação. Muitos prefeitos sequer participam ativamente da elaboração ou revisão desse instrumento fundamental de planejamento, e deixam de explicitar as restrições financeiras que inviabilizam o cumprimento integral das metas traçadas.
Entramos aqui na seara do Direito Financeiro e de Orçamento Público. A pergunta que se impõe é: pode o gestor público deixar de cumprir metas previstas no Plano Municipal de Educação por falta de recursos? A resposta, embora simples, exige cautela: pode, desde que haja justificativa jurídica e financeira adequadamente fundamentada. O binômio “capacidade financeira e demanda” deve ser o norte para decisões istrativas. Por exemplo, se o plano prevê no máximo 28 alunos por sala e a realidade impõe a necessidade de agrupar mais estudantes, a medida só será legítima se for acompanhada de uma motivação técnica embasada na ausência de recursos, comprometendo-se a reavaliar a decisão quando houver disponibilidade orçamentária. A mesma lógica se aplica às recomendações oriundas do Ministério Público. Estas, embora revestidas de autoridade, não são vinculantes. Assim, cabe ao gestor apresentar, de forma fundamentada, as razões técnicas, jurídicas e financeiras pelas quais acata — ou não — determinada recomendação. Tal postura demonstra respeito institucional ao órgão ministerial, sem que isso implique submissão acrítica ou automática.
Outro aspecto relevante na gestão dos recursos educacionais é a utilização do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). A legislação estabelece que ao menos 60% dos recursos do Fundeb devem ser utilizados para a remuneração dos profissionais da educação básica em efetivo exercício. O desafio surge justamente na gestão dos 40% restantes, que devem ser suficientes para atender todas as demais necessidades do sistema municipal de ensino: transporte escolar, manutenção predial, aquisição de equipamentos, formação continuada de docentes, entre outras despesas.
A realidade educacional atual exige muito mais do que o cumprimento formal de percentuais constitucionais. Exige planejamento estratégico, diálogo institucional, transparência na gestão e, acima de tudo, coragem para enfrentar as limitações orçamentárias com soluções técnicas e juridicamente sustentáveis. Afinal, governar é escolher — e escolher bem, especialmente em tempos de escassez, é dever de todo gestor público comprometido com a educação de qualidade.
Marcelo Silva Souza é advogado e consultor jurídico ([email protected])