
Como a frase “dois pesos e duas medidas”.
Dizem que a vida é uma balança mas às vezes, pesa-se com duas medidas e um único peso. Assim foi a trajetória do maestro e compositor Ernest Mahle em Piracicaba. Um homem que chegou, aportou e sem alarde, plantou uma floresta de sons, harmonias e talentos que continuam florescendo muito além de sua partida.
Independente do gosto musical de quem ouve, seja leigo ou entendido, é impossível negar o que Mahle deixou. Seu portfólio não é só uma coleção de partituras, mas uma declaração de amor à arte e à cidade que escolheu para viver e transformar. Com suas mãos e sua batuta desenhou no tempo uma história que se entrelaça com a própria alma de Piracicaba.
O destino, sempre mestre em criar encontros improváveis, trouxe também Cidinha Mahle, sua companheira incansável. Não se tratava de estar "atrás" ou "ao lado" de um grande homem. Cidinha esteve à frente, inspirando, formando, e muitas vezes conduzindo junto. Duas forças que se somaram e multiplicaram, criando um legado que ultraa qualquer definição simples de parceria.
Com recursos próprios, sem esperar benesses ou favores, ergueram muito mais que uma escola. Construíram um universo. Um espaço físico, sim, mas, acima de tudo, um espaço simbólico, onde notas musicais se transformaram em vidas inteiras dedicadas à arte. Filhos naturais e filhos da formação todos foram tocados pela mesma vibração de amor e disciplina que Mahle semeou.
Gerações e gerações aram por ali, embaladas por danças, cânticos, encenações, orquestrações e tudo aquilo que a arte permite criar. Porque onde há música, há resistência, há beleza e há esperança.
Seria impossível trilhar esse caminho sem a humildade que só os gigantes possuem. Ernest Mahle sabia disso. Sua batuta não era instrumento de vaidade, mas de condução. E mesmo agora, ausente fisicamente, ela continua, invisível, regendo os sons de uma orquestra que só cresce: a orquestra do amor, da educação e da cultura.
No momento de sua partida, os comentários se multiplicaram. Marcelo Batuíra da Cunha Losso Pedroso, diretor do Jornal de Piracicaba, traduziu em palavras o sentimento coletivo em seu texto “Réquiem a Ernest Mahle”. Outros vieram, somando-se à corrente de reconhecimento. Mas há de se dizer: o aplauso público sempre foi e será maior que qualquer homenagem política. Porque o verdadeiro reconhecimento mora no coração de quem foi tocado por seu trabalho, não nos protocolos oficiais.
Mecenas, mentor, maestro. Mahle foi tudo isso e mais. Seu legado é imensurável. Cada acorde que ecoa nas salas de concerto, cada jovem que hoje segura um instrumento ou pisa num palco, carrega um pedaço dessa história.
Sua batuta canalizava sons, harmonias e silêncios, e transformava tudo isso em vida uma vida mais plena, mais rica, mais sensível. A respiração da música que ele tanto amava é, hoje, também a respiração da cidade que o abraçou e foi, em troca, abraçada.
Mas fica a reflexão: o conta-gotas do reconhecimento nunca será suficiente para equilibrar o peso monumental do trabalho que ele deixou. Que este texto, e tantos outros, sejam mais do que homenagem. Que sejam lembretes, alertas e convites para que olhemos com mais cuidado, mais carinho e mais justiça para aqueles que fazem da cultura não apenas um ofício, mas um ato diário de amor.
Viva Ernest Mahle!
Walter Naime é arquiteto-urbanista e empresário.